70 anos do Caetano

Caetano faz 70 anos. Quando gostávamos dele, tantos anos atrás, ele ainda era, por falta de expressão melhor, um homem maduro — aquela imagem que as crianças têm dos pais e dos tios e que não sabem ser passageira. Velhinhos eram só os avós, nossos ou dos outros, uma outra categoria de gente. Avós sempre foram velhinhos para as crianças. Velhinho era o Dorival Caymmi.

Agora Caetano faz 70 anos. Penso em como será vê-lo velhinho tal qual o Dorival Caymmi da minha cabeça de criança, sempre com 80 anos. Caetano com 80 anos, velhinho, Caymmi. Penso em como será ver o Caetano morrer de velhice. Caetano morto.

Mas para ver Caetano completar 80 anos primeiro terei de completar 50. Pois é, meu caro, 50 anos. Eis o tempo em toda a sua natureza. Preciso de silêncio para contemplar essa ideia.

O tempo é nosso mundo comum, nossa unidade, nossa identidade. Ninguém tira o corpo fora para assistir à banda passar. O tempo nos carrega junto. Nunca verei o Caetano velhinho sem que eu me torne velho também. Pela mesma razão, nunca verei um filho meu se tornar velho, porque ainda não o tive e não haverá tempo suficiente para mim quando eu o tiver. Essa ideia do tempo acalenta uma compaixão sincera pelas pessoas. Estamos juntos no tempo. Caminhamos todos para o fim.

Parabéns, Caetano.

Olé dialético

… No centro do livro [Verdade Tropical, de Caetano Veloso] está uma frase de 32 linhas, um verdadeiro olé dialético (e como tal um pouco forçado), em que a sintaxe procura sugerir, ou captar, a complexidade do processo real. Pela abrangência da visão, pela sua potência organizadora, pelo teor de paradoxo e pela capacidade de enxergar o presente no tempo, como história, é uma façanha. Assim, a revolução que João Gilberto operou nas relações entre a fala, a linha melódica e a batida de violão 1) tornou possível o desenvolvimento pleno do trabalho de seus companheiros de geração; 2) “abriu um caminho para os mais novos que vinham chegando”; 3) deu sentido às buscas de seus predecessores imediatos, que “vinham tentando uma modernização através da imitação da música americana”; 4) superou-os todos pelo uso que soube fazer do cool jazz, “que lhe permitiu melhor religar-se ao que sabia ser grande na tradição brasileira”, da qual justamente os modernizadores queriam fugir; e 5) “marcou, assim, uma posição em face da feitura e fruição de música popular no Brasil que sugeria programas para o futuro e punha o passado em nova perspectiva — o que chamou a atenção de músicos eruditos, poetas de vanguarda e mestres de bateria de escolas de samba”. Como é próprio da escrita dialética, o mesmo sujeito de frase — no caso, a revolução musical trazida por João Gilberto — comanda verbos muito díspares, que por sua vez comandam objetos (sujeitos) também eles desiguais, pertencentes a domínios separados e às vezes opostos da realidade, que assim ficam articulados por dentro. Tanto sujeitos como verbos atuam em várias dimensões ao mesmo tempo, as quais refluem sobre o seu ponto de partida, que existe através delas e adquire uma unidade ampliada e imprevista, que é o selo da dialética. Na realidade e na prosa, figuras apartadas pela especialização e pelo abismo das classes sociais, como os músicos eruditos, os poetas de vanguarda e os mestres de bateria de escolas de samba, na bela enumeração de Caetano, são colocadas em movimento associado e produtivo, saindo do seu isolamento. A fluidez se torna vertiginosa quando a inovação não afeta apenas o presente e o futuro, como quer o senso comum, mas abala também o passado, que deixa de ser imutável e se recompõe sob nossos olhos. A viravolta é um micromodelo do alcance total que tem uma revolução, mesmo restrita.

(Roberto Schwarz, Verdade tropical: um percurso do nosso tempo)

Cai, Cai Caetano

Dois vídeos, um antigo, outro nem tanto, de tombos do Caetano. É a senilidade?

Tombo 1

Tombo 2