nossos articulistas – VI

Antonio pai, aprendiz, mecânico, operário, autônomo, anarcoempresário. Maria mãe, doméstica, dona-de-casa, doente, professora, arteterapeuta. Hoje constato que a marca deles em mim é muito mais forte do que eu podia supor. Não apaga. Lembro do meu pai trocando de emprego o tempo todo, indo e levando-nos para onde quer que achasse que a vida seria melhor, mais fácil, farta e divertida. Minha mãe junto, ora ria, ora chorava, doente de ciúme e de males outros que hoje entendo tão bem. A escola, pública, era garantida. O material escolar também. Já o uniforme, roupas para ocasiões especiais, tênis, água e luz em casa, “mistura”, endereço – tudo isso era incerto, fazia-se o que de melhor se podia fazer e na época eu não só já sabia disso, como me sentia responsável pelo funcionamento daquela estrutura tão caracterizada pela falta de estrutura. Cresci em casas muitas, Bebedouro, Olímpia, Freguesia do Ó, Vila Guilherme, Perdizes, Paraguai, Taboão, Cubatão, Sapopemba, brincando na rua, com muitos amigos e cães, gatos, papagaios, galos e coelhos de estimação. Passeei muito e tive muitos brinquedos, pois meus pais gostavam de passear e de brincar. Ficou em mim, claramente, a dificuldade em seguir e em estabelecer regras, a dificuldade em me submeter a qualquer tipo de hierarquia. Não sei lidar com dinheiro (meu pai dizia que era comunista e como tal não gostava de dinheiro, logo, deveria gastar e jamais acumular).  Tenho ainda a necessidade imperiosa de “dar conta de tudo”, de adivinhar necessidades, de cuidar, mantenedora do controle que me foi delegado com irmãos para cuidar, casa e pais que por vezes agiam como crianças. Nisso tudo me perco e quando lembro que esqueci de mim, fico brava. Tenho ímpetos de ser cuidada, como se frágil fosse, mas não sou. Luto bastante, mas não por opção. Gosto do ócio, tenho preguiça.  Coisas muito difíceis de alcançar me entediam ao invés de me fazer sentir desafiada.  Tenho dificuldades para fazer planos e dificuldades ainda maiores para concluí-los. Não sei direito a que vim. Gosto de rir de tudo, de mim, da vida. Gosto de sorrir e o que é belo e terno – e disso também o mundo está repleto – sempre me faz sorrir. Tendo a acreditar que as coisas vão acabar se acertando, que vai dar certo, sempre dá. Conto um pouco com a sorte. Há em mim “um sexto sentido maior que a razão”, apesar da pretensão de razão imensa. Como escreveu Clarice Lispector –...a única verdade é que  vivo. Sinceramente, eu vivo.

3 pensamentos sobre “nossos articulistas – VI

  1. O que eu poderia dizer…a bem da verdade, não tenho palavras, frases ou expressões que demonstrariam a contento como seu texto é tocante. Não direi mais nada, senão isso aqui vai virar um depoimento do Orkut e acho que não é essa intenção de todos que compartilham esse espaço.

  2. Zé, basta dizer que era a literatura que buscávamos no meio fio da Xavier Kraus, naquelas noites de conversas alongadas, há uns 20 anos. Patrícia, o que eu poderia dizer… Obrigado! Verdades e palavras que me contentaram. Tudo isso depois de assistir a um baita filme na Tevê: Manhattan (Woody Allen – 1979) .

  3. Essa mulher é realmente o máximo. Penso até que atingiria a perfeição se tivesse melhor gosto para maridos.

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